sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Uma luz para guiar a obscuridade do art. 1.829 do Código Civil

Prezados pensadores,

O art. 1.829 do Código Civil/02, trata da sucessão legítima no capítulo da ordem da vocação hereditária, todavia é de reconhecida prolixidade em sua redação, ensejando acaloradas discussões. No entanto, recentemente a Ministra Nancy Andrighi da 3ª Turma do STJ bateu o martelo em -pelo menos - um dos pontos controvertidos de interpretação.

Eis a redação legal:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;


O ponto aqui é o legislador não ter mencionado expressamente o cônjuge sobrevivente do regime da separação convencional (CC, art. 1.687), assim parte da doutrina compreende que: em não tendo o legislador incluído o cônjuge supérstite na letra do inciso I, e não tendo ele direito a meação, concorreria com os herdeiros para ter algum amparo. Todavia, não foi esse o entendimento do julgado do REsp 992.749, em 1º de dezembro de 2009, que caminhou no mesmo entendimento do pensamento do Ilmo e Saudoso Filósofo Miguel Reale que sugeriu no Projeto de Lei 1.792/2007 a exclusão do verbete "obrigatória", entendendo que o legislador realmente quis tratar do regime da separação como gênero discriminado na ressalva legal, cujas espécies seriam a obrigatória (legal, ou supletiva, art. 1.641) e a convencional (art. 1.687).


E que apresenta a seguinte ementa:

"Direito civil. Família e Sucessões. Recurso especial. Inventário e partilha. Cônjuge
sobrevivente casado pelo regime de separação convencional de bens, celebrado por
meio de pacto antenupcial por escritura pública. Interpretação do art. 1.829, I, do
CC/02. Direito de concorrência hereditária com descendentes do falecido. Não
ocorrência.
- Impositiva a análise do art. 1.829, I, do CC/02, dentro do contexto do sistema
jurídico, interpretando o dispositivo em harmonia com os demais que enfeixam
a temática, em atenta observância dos princípios e diretrizes teóricas que lhe
dão forma, marcadamente, a dignidade da pessoa humana, que se espraia, no
plano da livre manifestação da vontade humana, por meio da autonomia da
vontade, da autonomia privada e da consequente autorresponsabilidade, bem
como da confiança legítima, da qual brota a boa fé; a eticidade, por fim, vem
complementar o sustentáculo principiológico que deve delinear os contornos
da norma jurídica.
- Até o advento da Lei n.º 6.515/77 (Lei do Divórcio), vigeu no Direito
brasileiro, como regime legal de bens, o da comunhão universal , no qual o
cônjuge sobrevivente não concorre à herança, por já lhe ser conferida a
meação sobre a totalidade do patrimônio do casal; a partir da vigência da Lei
do Divórcio, contudo, o regime legal de bens no casamento passou a ser o da
comunhão parcial , o que foi referendado pelo art. 1.640 do CC/02.
- Preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o
postulado da autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o
direito à meação, além da concorrência hereditária sobre os bens comuns,
mesmo que haja bens particulares, os quais, em qualquer hipótese, são
partilhados unicamente entre os descendentes.
- O regime de separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.829, inc. I, do
CC/02, é gênero que congrega duas espécies: (i) separação legal; (ii)
separação convencional . Uma decorre da lei e a outra da vontade das partes, e
ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime de separação de
bens, à sua observância.
- Não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito
à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de
bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos,
portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário.
- Entendimento em sentido diverso, suscitaria clara antinomia entre os arts.
1.829, inc. I, e 1.687, do CC/02, o que geraria uma quebra da unidade
A informação disponível não será considerada para fins de contagem de
prazos recursais
(Ato nº 135 - Art. 6º e Ato nº 172 - Art. 5º) sistemática da lei codificada, e
provocaria a morte do regime de separação de bens. Por isso, deve prevalecer
a interpretação que conjuga e torna complementares os citados dispositivos.
- No processo analisado, a situação fática vivenciada pelo casal – declarada
desde já a insuscetibilidade de seu reexame nesta via recursal – é a seguinte:
(i) não houve longa convivência, mas um casamento que durou meses, mais
especificamente, 10 meses; (ii) quando desse segundo casamento, o autor da
herança já havia formado todo seu patrimônio e padecia de doença
incapacitante; (iii) os nubentes escolheram voluntariamente casar pelo regime
da separação convencional, optando, por meio de pacto antenupcial lavrado
em escritura pública, pela incomunicabilidade de todos os bens adquiridos
antes e depois do casamento, inclusive frutos e rendimentos.
- A ampla liberdade advinda da possibilidade de pactuação quanto ao regime
matrimonial de bens, prevista pelo Direito Patrimonial de Família, não pode ser
toldada pela imposição fleumática do Direito das Sucessões, porque o
fenômeno sucessório “traduz a continuação da personalidade do morto pela
projeção jurídica dos arranjos patrimoniais feitos em vida”.
- Trata-se, pois, de um ato de liberdade conjuntamente exercido, ao qual o
fenômeno sucessório não pode estabelecer limitações..
- Se o casal firmou pacto no sentido de não ter patrimônio comum e, se não
requereu a alteração do regime estipulado, não houve doação de um cônjuge
ao outro durante o casamento, tampouco foi deixado testamento ou legado
para o cônjuge sobrevivente, quando seria livre e lícita qualquer dessas
providências, não deve o intérprete da lei alçar o cônjuge sobrevivente à
condição de herdeiro necessário, concorrendo com os descendentes, sob pena
de clara violação ao regime de bens pactuado.
- Haveria, induvidosamente, em tais situações, a alteração do regime
matrimonial de bens post mortem, ou seja, com o fim do casamento pela morte
de um dos cônjuges, seria alterado o regime de separação convencional de
bens pactuado em vida, permitindo ao cônjuge sobrevivente o recebimento de
bens de exclusiva propriedade do autor da herança, patrimônio ao qual
recusou, quando do pacto antenupcial, por vontade própria.
- Por fim, cumpre invocar a boa fé objetiva, como exigência de lealdade e
honestidade na conduta das partes, no sentido de que o cônjuge sobrevivente,
após manifestar de forma livre e lícita a sua vontade, não pode dela se
esquivar e, por conseguinte, arvorar-se em direito do qual solenemente
declinou, ao estipular, no processo de habilitação para o casamento,
conjuntamente com o autor da herança, o regime de separação convencional
de bens, em pacto antenupcial por escritura pública.
- O princípio da exclusividade, que rege a vida do casal e veda a interferência
de terceiros ou do próprio Estado nas opções feitas licitamente quanto aos
aspectos patrimoniais e extrapatrimoniais da vida familiar, robustece a única
interpretação viável do art. 1.829, inc. I, do CC/02, em consonância com o art.
1.687 do mesmo código, que assegura os efeitos práticos do regime de bens
licitamente escolhido, bem como preserva a autonomia privada guindada pela
eticidade.
Recurso especial provido.
Pedido cautelar incidental julgado prejudicado."


Para entender a fundo o caso em tela leia o que foi noticiado pelo O Consultor Jurídico, em 10 de dezembro de 2009, através do link: http://www.conjur.com.br/2009-dez-10/conjuge-casado-separacao-bens-nao-herdeiro-necessario .

Em síntese, o tribunal e o juiz singular haviam reconhecido o direito sucessório do cônjuge sobrevivente.

Caros pensadores, fica aqui a sugestão: esta decisão foi acertada ou realmente foi um retrocesso ao antigo Direito do Código de 1916 em que o cônjuge viúvo ficava desamparado?

obs: complementarei minha opinião nos comentários.

Cordialmente
Dydimo Augusto



2 comentários:

  1. Na minha opinião a decisão foi certíssima, pois não é justo que pessoas que amem seus filhos acima de tudo fiquem fadadas a ficar sozinhas pelo receio de ver seus bens, após sua morte, divididos com pessoas diversas de seus decendentes.

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  2. É isso mesmo, a ministra mostrou-se mais inteligente e razoável que o legislador. A morte é certa, só não se sabe exatamente quando virá. O casamento é incerto, pode durar ou não. Já pensou alguém casar, descobrir em pouco tempo que o casamento vai ruir e ,antes que possa sair dele, vem a morrer? Como ficam seus descendentes de relações anteriores, ou mesmo seus ascendentes, na ausência dqueles. O cônjuge que não quiser ficar desamparado que não aceite a condição de separação de bens e que procure outra pessoa.

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